Eu estava aqui, conversando com a
moça que limpa a minha casa, e ela me contou que a filha dela de 15 anos está
grávida e que ela vai fazer a guria abortar. Ela mesma tem quatro filhos, o
primeiro nasceu quando ela tinha 13 anos, e ela me contou longamente tudo o que
ela perdeu na vida por conta disso. Nós falamos um pouco sobre a lei sobre o
aborto e liberdades e responsabilidades de homens e mulheres no caso de uma
gravidez inesperada. Minha empregada estudou somente até a segunda série, mas pelo
que eu conversei com ela, ela tem condições de instruir a filha sobre
anticoncepcionais agora. É uma pena que essa conversa só vai acontecer depois
da primeira gravidez indesejada.
Isso tudo me fez lembrar de uma
conversa que NÃO aconteceu nesse fim de semana com meus primos, o Flavio, o
Gustav e a Taynara, e a Marcela, minha irmã. Não aconteceu em parte porque era
páscoa e estávamos todos amortecidos de excesso de chocolate jogando tranca, em
parte porque eu já tinha passado por discussões intermináveis sobre televisão e
religião nos últimos dias e não quis me jogar em mais uma. Mas acho ela muito válida
para deixar passar, inclusive por ser com pessoas de quem eu gosto e respeito
muito, mas nunca conversei muito sobre “assuntos sérios”.
Eu não sou feminista. Não tenho
engajamento no movimento ou leitura o suficiente sobre o tema para me permitir
dizer que sou. Mas eu sou mulher e tem coisas demais na sociedade que me
incomodam para que eu simplesmente ignore e releve a importância do feminismo e
o sexismo por que todos nós (homens e mulheres) passamos no dia a dia.
A conversa que não aconteceu
começou porque eu comentei que parei de assistir The Big Bang Theory devido ao
machismo e o Flávio tentou argumentar por que então eu gosto tanto de Avengers.
Eu senti que eu tinha TANTA coisa para dizer sobre isso, que simplesmente
suspirei e comi mais um pedaço de chocolate em vez de falar, mas não quero
deixar passar, mesmo que esse venha se tornando um tema frequente aqui no blog,
e transformar ele em um blog feminista nunca foi minha intensão.
Eu adoro The Big Bang Theory. Fiquei
fascinada no começo por ser uma série sobre nerds e acadêmicos, que tem muitas
piadas muito boas e personagens adoráveis (todo amor do mundo pro Sheldon). Mas
tanto acho que o plot da série se perdeu em algum momento (ela deixou de ser
uma série legal sobre nerds e acadêmicos para ser uma série que se foca mais em
desmerecer essas culturas, mas não vou entrar nesse funil porque não é esse o
foco aqui e não foi isso que me fez parar de assistir) quanto acho que, já há
algumas temporadas, as mulheres estão muito mal representadas na série.
A série tem mulheres, e não há
nada nela que diga que se espera que seja assistida majoritariamente por
homens, especialmente considerando que a população nerd e acadêmica feminina tem
crescido e se mostrado nas mídias entusiasticamente. Eu, como mestra e viciada
em livros, filmes e séries, me encontro exatamente como uma representante dessa
mulher-nerd-acadêmica que eu NÃO vejo na série.
Eu gosto muito da Penny, mas a
convivência da Penny com as outras personagens femininas me fez ficar
incomodada, primeiro, com a impossibilidade de haver uma personagem que seja
inteligente e bonita/feminina na série. Adoro o episódio em que a Penny se
vicia em Dungeons & Dragons e detesto a forma como ela não consegue
simplesmente conciliar isso com pentear o cabelo, por exemplo. É como se fosse
impossível ser nerd/inteligente e feminina ao mesmo tempo.
Outro ponto com a Penny,
relacionado a isso, que me incomodou muito na última temporada foi o episódio
quando ela decide voltar a estudar e o Leonard não consegue acreditar na
capacidade dela. Eu gostei da postura dela quanto a isso, mas eu não esperava
essa descrença do Leonard (não da forma enraizada e interventora que ele
demonstrou) e não gostei da forma como o subplot meio que morreu em panos
quentes também.
A personagem da Bernadete também
me incomodou. Ela surge na série como uma companheira de trabalho da Penny, e
então ela é especialista em microbiologia que trabalha em uma universidade. Eu
lembro vagamente que houve uma explicação muito rápida para isso, algo como ela
precisar de dinheiro ou semelhantes, mas o fato dessa mudança coincidir com o
envolvimento dela com o Howard me incomodou MUITO. Porque ele, desde o começo,
é um personagem que tem a figura da mulher muito estereotipada, seja ela
reforçada pelo conquistador meio patético que ele era no começo, seja na
relação dele com a mãe, mas acredito que isso faça parte da construção do
personagem dele. Agora nada justifica a hipergraduação instantânea do par romântico
dele.
Agora acho que a personagem que
MAIS me incomodou na série toda foi a secretária do Sheldon (que eu não consigo
lembrar o nome, sorry). O Sheldon tem uma concepção de mulher infantilizada e
naturalista, de forma que, para ele, as mulheres são comandadas por seus
hormônios, sejam maternais, sejam sexuais. Não concordo, mas, novamente,
entendo como uma característica da construção da personagem, é coerente com
quem ele é pensar assim. Mas tem um episódio em que esse pensamento se torna
tão extremo que É abusivo. E por mais que seja compreensível de onde veio o
abuso, HÁ o abuso, e a secretária dele (uma relação profissional, veja bem) é o
alvo desse abuso, ela tenta confrontá-lo e, sem mudança de comportamento, vai
até instâncias superiores da faculdade e denuncia ele.
E nada acontece.
Eu não me lembro em detalhes o
desenrolar do episódio, mas o abuso se torna algo tolerado em que o Sheldon não
sofre nenhum tipo de punição efetiva e tampouco muda o seu comportamento ou
pensamento. E ela continua trabalhando com ele. Nas mesmas condições. Nesse
caso não foi só uma questão de construção de personagem ou enredo que me
incomodou, eu senti que algo na produção série, na criação de todo esse
universo, despreza a valorização da figura feminina, e isso me fez parar de ver
a série.
Há ainda a personagem que surgiu
agora para ser par do Raj (que eu amo por ser tão obviamente gay, mas nem tenho
esperanças que a série vá para esse lado da força), que, quando eu a vi, quase
dei pulinhos de felicidade na cadeira porque OMG FINALMENTE UMA MENINA NERD NA
SÉRIE (sim, seria a primeira, todas as outras personagens femininas da série
DESPREZAM a cultura nerd, o que eu acho muito incoerente com a coisa toda e é
parte dos fatores que eu não me sinto representada pela série). Mas, não, ela
não é nerd, por enquanto ela só parece ser extremamente tímida e meio
socialmente deslocada, mas nenhum surto de fangirl ou debate com o Sheldon sobre
Doctor Who ou Star Wars pela frente.
Eu parei de assistir no episódio 6x18
The Contractual Obligation Implementation em que, além de desprezar as mulheres
inteligentes que são também bonitas e as mulheres nerds, a série decidiu
subestimar as mulheres cientistas e, bem, eu dediquei os últimos sete anos da
minha vida ao estudo acadêmico (especificamente ao estudo acadêmico de produção
ficcional pop o que, veja só, é o caso dessa série), eu tenho todo o direito de
me indignar com a forma como a intelectualidade feminina foi retratada nesse episódio
em que mulheres se mostraram incapazes de se comprometer com a ciência.
É isso o que eu tenho a dizer
sobre The Big Bang Theory. E nem o Sheldon e suas adoráveis obsessões me fazem
voltar a assistir, porque mesmo que a série mude completamente, a merda já está
feita.
Agora, o Flávio mencionou
Avengers como contraponto, então, não, esse post gigante não acabou.
Eu não quis me aprofundar no
momento, mas, pelo que eu entendi, quando eu disse “Parei de assistir TBBT
porque está machista demais” e ele me respondeu “Mas e Os Vingadores?” o que eu
entendi dessa pergunta é “Mas então por que você continua gostando de Os
Vingadores se é tão machista quanto?”, apesar dessa interpretação ter sido
minha, me corrija se eu estiver errada.
Para começar, eu não acho uma
comparação justa, porque são universos absurdamente diferentes o de TBBT e o de
Avengers, sem falar que são mídias e formas de distribuição diferentes e o
universo de Avengers é um saco sem fundo de informações que eu estou longe de
dominar, mas vou me focar nos filmes recentes, então (O incrível Hulk, Capitão
América, Iron Man I e II, Thor e Avengers).
Eu não considero Avengers
machista. Não há nenhum elemento nesse universo que me incomode com relação ao
sexismo. Óbvio que não é uma obra de ficção feminista em que apresente uma
sociedade ideal de igualdade entre sexos, em nenhum momento esse universo tem
essa pretensão.
Por outro lado, eu gosto bastante
da forma como as mulheres são representadas dentro de todas as narrativas.
Thor é um personagem extremamente
másculo, mas não é machista, mesmo que ele tivesse toda a justificativa
possível dada pelo tradicionalismo e pela cultura nórdica milenar, do qual ele
origina, para ser. Ele não é, e isso não é incoerente, pois há elementos dentro
da própria cultura de origem dele que embasam ele não ser.
Ele é o par romântico de uma
cientista muito inteligente E BONITA que tem seu trabalho reconhecido pelas
esferas mais altas do governo, e tem como assistente a Nancy, que é uma
nerdinha adorável. Além disso, eu gosto particularmente de um diálogo que ele
tem com a Lady Sif (e eu nem curto a Lady Sif como personagem e acho a atriz
que interpreta ela péssima) ainda no começo do filme, em que ele está tentando
convencer os Guerreiros de Asgard a irem para a batalha com ele mostrando o
quanto eles já lutaram juntos e ele vira para ela e pergunta quem foi o
responsável por ela, como mulher, ser reconhecida por suas habilidades como
guerreira e ela responde “Eu!” e ele reforça que sempre apoiou ela. Isso nunca
ocorreria em um universo machista.
O mesmo reconhecimento pela
mulher cientista e atraente ocorre em Hulk. E quando eu digo cientista e
atraente não é buscando a imagem da enfermeira sexy sentada em uma bancada de
laboratório ou o estereótipo de que toda mulher precisa estar dentro do padrão
de beleza em todos os momentos da vida para convívio em sociedade, mas sim o
fato de que você ser uma cientista não anula o fato de que você pode ter interesse
por moda e saber se maquiar e pentear o cabelo, por exemplo. Betty Ross é uma
mulher comum, que se veste bem, dirige um carro e tem um namorado, e é física
nuclear.
E o próprio Bruce é um personagem
que não se impõe como machista em nenhum momento até porque ele quebra com o
estereótipo do que é ser um homem másculo ao se configurar como alguém
fisicamente frágil e psicologicamente instável. O Hulk pode ser um brutamontes,
mas não é sexista.
Em Capitão América você tem a
personagem da Peggy, que é adorável. O fato de uma mulher se impor na década de
40 como uma oficial do exército ao mesmo tempo que é romantizada no filme, não
é uma situação inusitada, afinal, havia a guerra, o movimento feminista existia
e haviam mulheres no exército nos mais diversos países. Mas eu gosto
particularmente da forma como ela e o Steve se envolvem, em que, novamente,
você não tem um personagem extremamente másculo (apesar da transformação
física, ele continua sendo um homem delicado, e a interação entre os dois é
profunda justamente por ter começado antes da transformação. Sem falar que eu
vejo muito na luta dele contra o bulling o fato de que ele também sofria com o
machismo por não corresponder ao padrão de homem da época) que atrai uma mulher
forte por ambos se admirarem da forma como são.
Talvez o personagem mais machista
do universo de Avengers seja Tony Stark – e preciso confessar que me dói muito
isso porque ele é o personagem que eu mais amo em toda a série –, mas, assim
como eu entendo o Howard e suas cantadas bizarras e o Sheldon e seu
naturalismo, eu entendo o Tony e seu machismo. Faz parte da construção da
personagem. Ele é um playboy que cresceu podendo comprar e possuir tudo o que
desejasse em uma sociedade em que a mulher é colocada frequentemente como
objeto, portanto, ele ver a mulher também como algo que ele possa adquirir e
possuir seria natural.
Há duas cenas em que ele
objetifica a mulher, ambas em Iron Man II. A primeira em que ele sai de um
evento e encontra uma oficial de justiça encostada em um carro esportivo e ele
pergunta para o Happy se a mulher vem com o carro e a segunda quando ele
conhece a Natasha e quer contratar ela porque ela sabe latim e foi modelo de lingerie,
duas habilidades não muito funcionais para o cargo de secretária pessoal. Nessa
cena, a fala dele é justamente algo como “Eu quero ela, me dá!”, voltada para a
Pepper, como uma criança mimada pedindo algo para os pais.
Eu tenho duas defesas para o
comportamento do Tony. A primeira é que ele não consegue conquistar nenhuma
dessas duas mulheres, o que é um fator que acaba não incentivando esse tipo de
comportamento. A segunda é que, em nenhum momento dos dois filmes, ele USA
mulheres. Apesar desses momentos em particular em que ele se refere a elas como
objetos, você não tem cenas em Iron Man como você tem em Batman Begins, por
exemplo, em que Bruce Wayne entra em um hotel com duas mulheres belíssimas e em
nenhum momento demonstra nenhum interesse nelas além de enfeitar seu carro
esportivo e utilizá-las como um acessório junto de seu terno caro. Tony Stark
não faz isso. Ele aparece com mulheres belíssimas, mas ele FICA com elas, ele
tem como objetivo a conquista e não necessariamente a exibição.
Talvez alguém possa dizer que o
fato dele ser um conquistador compulsivo e ficar com mulheres que ele dispensa
todo dia de manhã possa ser um comportamento machista. Eu discordo. Em momento
algum ele obriga nenhuma a fazer o que não quer ou faz promessas de casamento e
amor incondicional ou nada diferente de uma noite de sexo, e homens e mulheres
fazendo o que bem entendem de suas vidas sexuais não é sexista em nenhum ponto.
Sem falar que essa grande rotatividade de relacionamentos instáveis é
justificada, mais uma vez, pela história e constituição da personagem.
E Tony tem um grande ponto a
favor dele: Pepper Potts. Outra mulher forte em Avengers e que, diferente dos
pares do Hulk, do Capitão América ou do Thor, é menos só um par romântico ou uma
“mulher grande por trás de um grande homem”. Ela é a presidente das empresas –
a líder escolhida pelo Tony para governar seu patrimônio e sua vida, não por
ser mulher, mas por ser confiável e competente. Como é o caso de outra mulher
em posição de comando também no universo de Avengers, que é a Maria Hill, que
vem a se tornar comandante da Shield, segundo os quadrinhos, quando o Fury é afastado.
Por último, porque eu acho que é
o exemplo mais evidente dentro desse universo e gosto muito dela, há a Viúva
Negra. Uma mulher sedutora, feminina, inteligente, forte e letal. Eu adoro o
fato dela ser humana e andar ao lado, como igual, não a homens, mas a um deus,
um supersoldado, um cientista louco, um monstro mutante e um assassino
profissional. Adoro como o Tony a subestima por ser uma mulher atraente e
depois disso ele passa a temê-la e respeitá-la (aliás, eu adoro como o Tony, na
verdade, é o mais frágil e o mais humano dos Avengers, mas isso é conversa para
um outro post). Adoro como ela é consciente do ser mulher e como ela lida com
isso, de forma que, ao mesmo tempo que é algo essencial na definição dela, não
parece algo evidenciado.
E eu preciso comentar que o
comportamento do cast dos filmes quando eles eram entrevistados e faziam
perguntas idiotas para a Scarlett Johansson porque ela era a mulher do time
também me faz gostar mais deles.
Eu gosto muito do universo de
Avengers não só por isso, mas certamente a forma como as mulheres são
retratadas me faz continuar gostando, assim como me fez desgostar de The big
bang theory, a ponto de eu me sentir levemente ofendida quando meu primo
comparou os dois com relação o sexismo, e por isso esse post existe.
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