Eu preciso fazer um desabafo como jornalista.
Eu sou jornalista. Estudei durante 4 anos em uma boa
universidade e eu aprendi a ser jornalista. Nunca exerci a profissão
legalmente, nunca recebi um salário fixo pelo meu serviço como jornalista, mas
já fiz diversos trabalhos em que o que aprendi na faculdade de jornalismo me
foi útil. Além disso, o ser jornalista faz parte de quem eu sou, dos meus
conceitos, minha forma de ver o mundo, de lidar com fatos e pessoas.
Mas eu nunca me senti jornalista.
Na semana em que eu defendia meu TCC para receber meu
diploma, a obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão caiu, e eu
jamais esquecerei esse fato pelo quão significativo ele foi para mim. Eu entrei
na faculdade porque eu queria, sim, fazer jornalismo, ser repórter, ser
editora, lidar com fatos, levar informação, mas durante toda a minha trajetória
na faculdade, eu tive uma crescente decepção pela profissão. Hoje eu associo
essa decepção a dois fatores fundamentais: a arrogância do jornalista enquanto
profissional e ao mau profissionalismo do jornalista.
Na faculdade, eu aprendi a fazer jornalismo, o bom jornalismo,
o jornalismo de qualidade e comprometido com sua ética e sua fundamentação
enquanto profissão. Mas aprendi também que eu nunca seria capaz de exercer isso
por diversos conflitos de poderes socioeconômicos, e isso não é uma realidade
exclusivamente brasileira. Ver isso no dia a dia antes mesmo de me tornar profissional
fez com que eu não quisesse ser jornalista, mesmo tendo o diploma que me engaja
na profissão.
Eu fiz mestrado e me formei profissionalmente como
professora e pesquisadora. No dia da minha defesa de mestrado, eu me senti com
a competência profissional para ser mestre em comunicação de uma forma que eu
nunca senti sobre ser jornalista, e por isso eu digo que minha profissão é
professora, e não jornalista, porque isso é o que é realmente importante para
mim, é o que compõe minha identidade profissional.
E hoje eu ensino pessoas a serem jornalistas – isso é quase
um fato irônico.
Uma ironia que seria muito amarga se eu não tivesse feito a
opção de lecionar muito mais sobre como lidar com a informação e os recursos de
mídias que temos hoje, que é o que me atrai na comunicação, do que sobre
jornalismo em si. Eu dou aulas sobre como as pessoas se apropriam e manipulam
informação independente de moderações ou disponibilidade de recursos oficiais e
tento ensinar os novos profissionais a lidarem justamente com as vulnerabilidades
que isso significa para a profissão que se julga com um controle grande demais
sobre conteúdo e público.
Eu fiquei fascinada e com um orgulho muito imenso da forma dos
usos das tecnologias, das ferramentas midiáticas e do fluxo de informações que
está sendo feita durante as manifestações aqui no Brasil.
Eu sou militante nas causas relacionadas à luta por direitos
de gênero e sexualidade e, quase como consequência da minha profissão, à
democratização da informação. Nunca fui a uma passeata na vida, por motivos
pessoais, mas acredito que o trabalho que eu faço no dia a dia de
conscientização sobre esses assuntos não seja menos importante do que sair às
ruas. Isso é, inclusive, algo que eu espero como consequência das manifestações
que estão acontecendo agora: que essas milhões de pessoas que “acordaram” e se
engajaram em um movimento lindo e assustadoramente poderoso, mas momentâneo,
incorporem essas ideias, insatisfações e vontade de mudança em suas ações, em
seus trabalhos, seus votos, suas formas de lidar com o que é o Brasil hoje e
todas as pessoas que compõem a nossa sociedade na mesma luta diária.
Esse é, na verdade, o resultado que eu almejo nesse
movimento, meu motivo de orgulho por ele, e a razão, por exemplo, de eu ter
ficado ontem praticamente o dia todo, durante horas seguidas, articulando
informações, repassando material e utilizando minhas redes sociais pessoais para
dar orientação e suporte aos manifestantes e levar ao restante da sociedade
informações sobre o que estava acontecendo nas ruas.
O que é, veja só, a aplicação das minhas habilidades de
jornalista de selecionar, editar e redirecionar informação. Foi a minha
contribuição profissional com essa luta e o que eu vou continuar fazendo
diariamente com ou sem gente tomando o congresso, porque é também parte do que
me faz como cidadã. Eu acredito que direitos e deveres caminham juntos e, se eu
estou reivindicando meus direitos de expressar minha indignação contra o estado
atual da sociedade, eu tenho o dever o dever de cumprir meu papel social
segundo aquilo que eu vejo ser a solução.
E meus caros amigos – colegas, professores, ninjas,
anonymous, mobilizados, espectadores – eu estou com uma profunda vergonha da
imprensa brasileira.
Eu não vou aqui discutir motivos e soluções para a forma
como a imprensa – a grande e a pequena imprensa, marrom, vermelha ou verde –
agiu durante as manifestações. Eu me cansei de toda essa discussão ainda enquanto
eu estava na faculdade e eu entendo todo esse mecanismo e já demonstrei minha
desaprovação acima. E eu não estou falando aqui de você que estava na
manifestação e fez a informação correr pelo mundo de forma autônoma utilizando
recursos profissionais por ser da área, como eu fiz, não, eu estou falando de
qualquer veículo que se propôs a fazer a cobertura oficial (ou oficialesca) das
manifestações, da Globo a sites pequenos que pipocaram por causa do que
aconteceu nos últimos dias.
Há muito tempo, eu abri mão da grande imprensa, da Veja à
Piauí, porque eu simplesmente não conseguia confiar mais em nenhum veículo
grande de comunicação. Ter como principal fonte de informação o twitter sem
fontes oficiais tem suas desvantagens, claro, mas isso aguça um exercício de
crítica e reflexão que a mídia nos deixa preguiçosos quanto a ter, e eu
acredito que eu posso viver com isso e sou mais feliz assim. Por isso, eu não
me importei com o que o Jabor disse, e muito menos com a retratação dele, e eu
acredito que não se importar com o que ele fala seja a postura mais
aconselhável às pessoas em geral e isso pode ser aplicável a tantos outros
comunicadores. O que eles dizem é importante porque as pessoas ouvem e dão
importância ao que eles dizem. Essa é a fonte da arrogância jornalística. Eu
aprendi com o tempo a ouvir as pessoas e acho que elas deveriam se ouvir mais
também. Tem muita gente mais digna de ser ouvida nas ruas do que o Jabor no
Jornal Nacional.
E agora estou vendo as pessoas comentando que a mídia
brasileira finalmente acordou, que está havendo uma revisão da agenda e um
redirecionamento de posições e objetivos e formas de cobertura e oh que legal.
Só que não. O que eu vejo é uma mídia que, como o governo e a polícia, não sabe
o que fazer com tudo o que está acontecendo. O que há de comum nessas três
instâncias é que nenhuma delas está habituada ao público como agente.
A mídia não sabe o que fazer com um público que produz e articula
sua própria informação, com um público que se apodera, manipula e questiona a
informação oficial. Ela não sabe o que fazer com o fato de que ela precisa, uma
vez mais, depois de tanto tempo, fazer algo concreto para ter crédito, para ser
ouvida, uma vez que há tantas outras vozes.
E dou aulas sobre isso, o que indica que eu valorizo a
necessidade social de um profissional de comunicação capacitado, mas me recuso
a valorizar o diploma de um profissional que, nesse contexto, ainda se vê como
o portal oficial da verdade sobre os acontecimentos e aquele que revela à nação
o direcionamento dos fatos. E muito menos vou parabenizar uma imprensa que mal faz
o seu trabalho.
Observação: o portal de imprensa oficial de que tirei mais
informações durante as manifestações foi o portal do Terra, porque foi o que
deu uma cobertura mais completa e menos tendenciosa sobre as manifestações, mas
ainda assim não o ideal.
Fonte da foto: peguei no google, de um blog
sobre uma manifestação no Equador a respeito de jornalistas exilados. A foto é somente
representativa, no caso desse post.